O Zen budismo representa Bodhidharma como um homem de aspecto feroz, louco, com uma espessa barba e de olhos muito abertos e penetrantes. Dizem que uma vez, estava praticando zazen, acabou adormecendo, e que ficou tão furioso com isso que cortou seus supercílios e os lançou ao chão. Passados alguns dias, e no lugar em que os havia jogado nascera uma planta. Era a que, mais tarde, daria origem ao chá, o qual permite a uma pessoa manter-se alerta por períodos prolongados. Como o episódio ocorreu numa montanha chamada Ta, nome que também se pronunciava tcha, essa bebida acabou recebendo as denominações de tea, thé, té e chá, cada uma das quais usada numa língua. O chá passou a proporcionar aos monges zen uma proteção contra o sono.
Outra história afirma que certa vez Bodhidharma se sentou em zazen durante tanto tempo que lhe caíram as pernas. Provém daí o interessante simbolismo dos bonecos japoneses denominados Daruma, que representam o Mestre como um gorducho de pernas cruzadas. Esses bonecos têm um peso em seu interior o qual faz com que, quando deitados abaixo, voltem sempre a ficar em pé (assim como nosso boneco Sempre-em-pé). Acerca do Daruma, um popular poema japonês diz: Cair sete vezes, levantar oito.
Dizem quando Bodhidharma chegou à China carregando uma de suas sandálias na cabeça e levava a outra, normalmente, num dos pés. O imperador Wu de Liang foi recebê-lo e, diante daquilo, sentiu-se constrangido: que espécie de homem era aquele? Esperara há tanto tempo por ele e sempre havia pensado tratar-se de um homem sagrado, um grande santo, um sábio, mas agora Bodhidharma se comportava como um louco.
O imperador ficou perturbado, inquieto, e na primeira oportunidade perguntou:
– O que está fazendo? O povo está rindo e ri também de mim porque vim recebê-lo. Isso não é maneira de se comportar como um santo!
Bodhidharma respondeu então:
– Mas só aqueles que não são santos comportam-se como santos. E eu sou um santo!
– Não posso entender. Carregando essa sandália em sua cabeça você mais parece um louco!
– Sim, porque tudo o que é superficial é loucura. Você parado aí, por exemplo, como um imperador, com esse manto, essa coroa, esse traje especial, está se comportando como um verdadeiro bobo. E é só para lhe dizer isto que estou carregando esta sandália em minha cabeça. Tudo isso é representação. O real não está nas aparências, na periferia. Olhe para mim, e não para meu corpo!
O imperador, impressionado, ficou em silêncio a refletir sobre essas palavras. Uma vez recobrado do impacto causado pelo ensinamento, pôs-se a descrever ao Mestre tudo quanto havia feito para promover a prática do Budismo na China, construindo templos, fazendo copiar as escrituras e ordenando monges. E depois de tudo relatar-lhe a esse respeito, perguntou que mérito havia adquirido com tal procedimento, que recompensa os Budas iriam proporcionar-lhe.
– Nenhum mérito, nenhuma recompensa, em absoluto, no máximo muito sofrimento e ilusão – respondeu Bodhidharma.
Chocado, Wu de Liang, tendo em vista a concepção popular do Budismo chinês, a qual ensinava que a acumulação gradual de mérito só pode ocorrer através das boas ações, perguntou:
– Mas, então, qual é o primeiro princípio da sagrada doutrina?
– Esse princípio existe em tudo. Não tem nada de sagrado.
– Então quem é você para ficar em pé diante de mim?
– Não sei, majestade.
Novamente, o silêncio reinou no ambiente. O imperador, cada vez mais perplexo, procurava compreender tudo o que estava acontecendo. Finalmente, encheu-se de coragem e relatou o drama que o afligia:
– Eu só quero perguntar-lhe uma coisa: o que devo fazer para aquietar minha mente? Sou tão impaciente, tão perturbado, tão inquieto!
Bodhidharma respondeu:
– Volte às quatro horas da manhã e traga consigo sua mente. Eu com meu bastão a farei aquietar-se.
O imperador, atônito, não acreditava no que estava ouvindo. Mas mesmo assim agradeceu e se retirou. No momento em que estava saindo do templo onde se encontrava Bodhidharma, ouviu-o dizer:
– Lembre-se, traga a sua mente, senão a quem irei aquietar? E venha sozinho, sem guardas, sem ninguém a acompanhá-lo.
O imperador não conseguiu repousar por um segundo sequer. Pensava que não deveria ir, que aquele homem deveria ser louco e poderia agredi-lo. E além disso, que história era essa de levar a mente? Claro que a mente dele estaria com ele!
Mas finalmente, depois de debater-se por longo tempo em dúvidas, Wu de Liang resolveu ir. Havia em seus olhos algo que impressionava, um fogo que não pertencia a este mundo. E a primeira coisa que Bodhidharma lhe perguntou foi:
– Muito bem, você veio. E onde está a sua mente?
– Quando vim, minha mente veio comigo. Ela está dentro de mim, não é algo que eu carregue como um pacote!
– Pois então você pensa que sua mente está dentro de você... Agora sente-se, feche os olhos e tente descobrir onde ela está. Aponte-a para mim e eu a apaziguarei.
O imperador fechou os olhos e tentou encontrar sua mente. Bodhidharma estava sentado bem à sua frente. Ele tentava, tentava e as horas iam passando. Quando o dia começou a nascer, sua face estava silenciosa. Então ele abriu os olhos e Bodhidharma lhe perguntou:
– Conseguiu encontrá-la?
O imperador riu e disse:
– Você a serenou, porque quanto mais eu tentava encontrá-la, mais sentia que ela não existia. Ela era só a minha ausência. Quando me tornei presente, ela desapareceu!
Após esta entrevista tão satisfatória para o imperador, Bodhidharma retirou-se para um mosteiro em Wei, onde se diz que passou nove anos numa gruta contemplando uma parede. Muitas pessoas acorreram a ele. E quando lhe perguntavam por que olhava uma parede, ele respondia:
– Por toda a minha vida olhei para os homens, mas nunca vi nos olhos deles algo além de uma parede morta. Assim, decidi que é melhor olhar para a parede. A gente se sente mais à vontade quando sabe que está olhando uma parede.
Um dia, um homem veio procurá-lo. Era Eka (Hui-K’o, 487-593 dc. ), que viria a ser o seu sucessor, ou seja, o Segundo Patriarca. Eka era um erudito de certo renome, foi até Bodhidharma queixar-se de que não tinha paz de espírito e perguntou como poderia adquiri-la, Bodhidharma que estava em silêncio fazendo zazen mandou-o embora dizendo que a conquista da paz interior exige longa e severa disciplina e não era para os presunçosos ou fracos. Eka, que tinha ficado do lado de fora do templo, na neve, durante horas, implorou a Bodhidharma que o ajuda-se. De novo ele mandou-o embora. Em desespero, ele cortou a mão esquerda e a ofereceu a Bodhidharma. Diante disso, este se sensibilizou e perguntou a Eka o que queria.
– Não tenho paz na minha mente – disse ele – Por favor, pacifique-a.
Conta-se então que o Mestre usou o mesmo recurso que usara com o imperador.
– Traga a sua mente aqui, à minha presença, e pacificá-la-ei.
– Mas quando busco a minha própria mente não consigo encontrá-la – respondeu-lhe Eka.
– Ah, sim? Pois então já consegui pacificá-la! – sentenciou Bodhidharma.
Nesse momento, Eka compreendeu.
Esse método de instrução utilizado pelo primeiro patriarca do Zen-budismo, tornou-se característico do Zen. A maior parte da literatura Zen consiste-se nesses contos, muitos deles muito mais enigmáticos que este, cada um dos quais destina-se a provocar algum tipo de súbita compreensão na mente do praticante.
Outra história afirma que certa vez Bodhidharma se sentou em zazen durante tanto tempo que lhe caíram as pernas. Provém daí o interessante simbolismo dos bonecos japoneses denominados Daruma, que representam o Mestre como um gorducho de pernas cruzadas. Esses bonecos têm um peso em seu interior o qual faz com que, quando deitados abaixo, voltem sempre a ficar em pé (assim como nosso boneco Sempre-em-pé). Acerca do Daruma, um popular poema japonês diz: Cair sete vezes, levantar oito.
Dizem quando Bodhidharma chegou à China carregando uma de suas sandálias na cabeça e levava a outra, normalmente, num dos pés. O imperador Wu de Liang foi recebê-lo e, diante daquilo, sentiu-se constrangido: que espécie de homem era aquele? Esperara há tanto tempo por ele e sempre havia pensado tratar-se de um homem sagrado, um grande santo, um sábio, mas agora Bodhidharma se comportava como um louco.
O imperador ficou perturbado, inquieto, e na primeira oportunidade perguntou:
– O que está fazendo? O povo está rindo e ri também de mim porque vim recebê-lo. Isso não é maneira de se comportar como um santo!
Bodhidharma respondeu então:
– Mas só aqueles que não são santos comportam-se como santos. E eu sou um santo!
– Não posso entender. Carregando essa sandália em sua cabeça você mais parece um louco!
– Sim, porque tudo o que é superficial é loucura. Você parado aí, por exemplo, como um imperador, com esse manto, essa coroa, esse traje especial, está se comportando como um verdadeiro bobo. E é só para lhe dizer isto que estou carregando esta sandália em minha cabeça. Tudo isso é representação. O real não está nas aparências, na periferia. Olhe para mim, e não para meu corpo!
O imperador, impressionado, ficou em silêncio a refletir sobre essas palavras. Uma vez recobrado do impacto causado pelo ensinamento, pôs-se a descrever ao Mestre tudo quanto havia feito para promover a prática do Budismo na China, construindo templos, fazendo copiar as escrituras e ordenando monges. E depois de tudo relatar-lhe a esse respeito, perguntou que mérito havia adquirido com tal procedimento, que recompensa os Budas iriam proporcionar-lhe.
– Nenhum mérito, nenhuma recompensa, em absoluto, no máximo muito sofrimento e ilusão – respondeu Bodhidharma.
Chocado, Wu de Liang, tendo em vista a concepção popular do Budismo chinês, a qual ensinava que a acumulação gradual de mérito só pode ocorrer através das boas ações, perguntou:
– Mas, então, qual é o primeiro princípio da sagrada doutrina?
– Esse princípio existe em tudo. Não tem nada de sagrado.
– Então quem é você para ficar em pé diante de mim?
– Não sei, majestade.
Novamente, o silêncio reinou no ambiente. O imperador, cada vez mais perplexo, procurava compreender tudo o que estava acontecendo. Finalmente, encheu-se de coragem e relatou o drama que o afligia:
– Eu só quero perguntar-lhe uma coisa: o que devo fazer para aquietar minha mente? Sou tão impaciente, tão perturbado, tão inquieto!
Bodhidharma respondeu:
– Volte às quatro horas da manhã e traga consigo sua mente. Eu com meu bastão a farei aquietar-se.
O imperador, atônito, não acreditava no que estava ouvindo. Mas mesmo assim agradeceu e se retirou. No momento em que estava saindo do templo onde se encontrava Bodhidharma, ouviu-o dizer:
– Lembre-se, traga a sua mente, senão a quem irei aquietar? E venha sozinho, sem guardas, sem ninguém a acompanhá-lo.
O imperador não conseguiu repousar por um segundo sequer. Pensava que não deveria ir, que aquele homem deveria ser louco e poderia agredi-lo. E além disso, que história era essa de levar a mente? Claro que a mente dele estaria com ele!
Mas finalmente, depois de debater-se por longo tempo em dúvidas, Wu de Liang resolveu ir. Havia em seus olhos algo que impressionava, um fogo que não pertencia a este mundo. E a primeira coisa que Bodhidharma lhe perguntou foi:
– Muito bem, você veio. E onde está a sua mente?
– Quando vim, minha mente veio comigo. Ela está dentro de mim, não é algo que eu carregue como um pacote!
– Pois então você pensa que sua mente está dentro de você... Agora sente-se, feche os olhos e tente descobrir onde ela está. Aponte-a para mim e eu a apaziguarei.
O imperador fechou os olhos e tentou encontrar sua mente. Bodhidharma estava sentado bem à sua frente. Ele tentava, tentava e as horas iam passando. Quando o dia começou a nascer, sua face estava silenciosa. Então ele abriu os olhos e Bodhidharma lhe perguntou:
– Conseguiu encontrá-la?
O imperador riu e disse:
– Você a serenou, porque quanto mais eu tentava encontrá-la, mais sentia que ela não existia. Ela era só a minha ausência. Quando me tornei presente, ela desapareceu!
Após esta entrevista tão satisfatória para o imperador, Bodhidharma retirou-se para um mosteiro em Wei, onde se diz que passou nove anos numa gruta contemplando uma parede. Muitas pessoas acorreram a ele. E quando lhe perguntavam por que olhava uma parede, ele respondia:
– Por toda a minha vida olhei para os homens, mas nunca vi nos olhos deles algo além de uma parede morta. Assim, decidi que é melhor olhar para a parede. A gente se sente mais à vontade quando sabe que está olhando uma parede.
Um dia, um homem veio procurá-lo. Era Eka (Hui-K’o, 487-593 dc. ), que viria a ser o seu sucessor, ou seja, o Segundo Patriarca. Eka era um erudito de certo renome, foi até Bodhidharma queixar-se de que não tinha paz de espírito e perguntou como poderia adquiri-la, Bodhidharma que estava em silêncio fazendo zazen mandou-o embora dizendo que a conquista da paz interior exige longa e severa disciplina e não era para os presunçosos ou fracos. Eka, que tinha ficado do lado de fora do templo, na neve, durante horas, implorou a Bodhidharma que o ajuda-se. De novo ele mandou-o embora. Em desespero, ele cortou a mão esquerda e a ofereceu a Bodhidharma. Diante disso, este se sensibilizou e perguntou a Eka o que queria.
– Não tenho paz na minha mente – disse ele – Por favor, pacifique-a.
Conta-se então que o Mestre usou o mesmo recurso que usara com o imperador.
– Traga a sua mente aqui, à minha presença, e pacificá-la-ei.
– Mas quando busco a minha própria mente não consigo encontrá-la – respondeu-lhe Eka.
– Ah, sim? Pois então já consegui pacificá-la! – sentenciou Bodhidharma.
Nesse momento, Eka compreendeu.
Esse método de instrução utilizado pelo primeiro patriarca do Zen-budismo, tornou-se característico do Zen. A maior parte da literatura Zen consiste-se nesses contos, muitos deles muito mais enigmáticos que este, cada um dos quais destina-se a provocar algum tipo de súbita compreensão na mente do praticante.