Quem Sou Eu? (Hozumi Gensho Roshi)


  
Zazen [meditação sentada] é escrito 座. O ideograma [za, sentada] consiste de dois homens, , que se sentam juntos sobre a terra, . Quem são essas duas pessoas? Esses dois são "eu" e "eu". Sobre a terra encontramos a nós mesmos e olhamos para o nosso "eu" mais interior. Isto é o zazen.
Há dois tipos de pessoas. Algumas se esforçam pela verdade, outras permanecem na inverdade. Todo mundo sabe a que tipo pertence. Às vezes acontece de pessoas boas fazerem algo errado ou tomarem a direção errada, talvez devido à sua fraca vontade, ou devido ao seu forte anseio. O ensinamento de Buddha diz claramente que devemos "fazer o bem e não fazer o mal" e, apesar de isto ser fácil de entender, às vezes é difícil fazer o bem e não fazer o mal.
Shigen Osho (chin. Jui-yen Shih-yen, séc. IX), um mestre Zen da antiga China, vivia no templo Zigon. Todo dia ele dizia a si mesmo em voz alta: "Mestre!" E respondia, "Sim!" Então perguntava, "Você está acordado?" "Sim!", respondia a si mesmo, bem alto. "Então não se permita ser enganado!", respondia a si mesmo. "Não, não!", dizia em seguida. Ele perguntava a si mesmo e respondia a si mesmo — que mestre estranho.
Efetivamente, sua pergunta era: "Quem sou eu? O que faço a cada dia? Por que vivo?" Isto ele perguntava a si mesmo e respondia a si mesmo, todo dia.
Nós, nós mesmos, dizemos "sim" e "não". "Posso fazer isto, não devo fazer aquilo. Seria bom fazer isto ou aquilo. Devo tomar este caminho? Não, é melhor tomar um outro. Devo estudar? Não, melhor procurar por um trabalho imediatamente." Também encontramos a incapacidade de ter que tomar uma decisão. Às vezes somos aconselhados pelo nosso professor, por um colega ou por um membro da família. Este conselho não é o resultado do nosso próprio raciocínio. Em um certo ponto perceberemos que podemos e temos de decidir, por nós mesmos, como queremos viver nossas vidas. Portanto, é necessário encontrar o "verdadeiro mestre" dentro de nós mesmos.

O "eu verdadeiro"
O fundador da escola Rinzai Zen, Rinzai Gigen Zenji (chin. Lin-chi I-hsüan Ch’an-hsu), viveu no norte da China durante o século IX. Ele tinha a reputação de ser um mestre particularmente estrito e com uma língua afiada. Mas, de fato, ele apenas apontava diretamente para a realidade. Uma vez ele disse durante uma de suas palestras:
Neste corpo, esta massa de carne avermelhada, há algo, o "humano verdadeiro" sem posição nem nome, o "eu verdadeiro" com liberdade absoluta, que não se segura em qualquer coisa. Aqueles de vocês que ainda não perceberam isso, ou que não ainda não encontram isto, abram seus olhos!
Este "humano verdadeiro" está sempre presente. Corpo e mente agem juntos na vida cotidiana, enquanto se está comendo, a caminho da escola, enquanto se está trabalhando, na cama. "O "eu verdadeiro" vive nestas atividades. Como não estamos conscientes deste "eu verdadeiro", não podemos nos salvar. Uma vez que nos tornemos conscientes do "humano verdadeiro" e nos mantenhamos nele, a vida torna-se simples. Para chegar lá é necessário passar por problemas e fazer grande esforço. É muito difícil dissolver a própria cobiça e as próprias e ilusões. Porém, se olharmos para o próprio coração e permitirmos que ele se torne um com o mundo, sem cobiça ou ilusão, então descobriremos o "eu verdadeiro" e a independência absoluta.
Se alguém realizar o estado mental livre, que se desenvolve a partir do absoluto (jap. mu), sem apego, eu peço a essa pessoa que olhe de perto para a nossa contemporânea e que permita que o seu criativo "eu verdadeiro" tenha um efeito. O mestre Rinzai diz:
Se alguém for mestre de si mesmo e realizar o próprio "eu verdadeiro", então ele está de pé no chão da realidade.
O "mestre" nada mais é que a nossa subjetividade criativa. Isto é o "humano verdadeiro" sem posição nem nome. Ele ou ela mostra seu "eu verdadeiro" em sua existência. Se nosso "ego" não existir, então há espaço para o nosso "eu verdadeiro" ter um efeito. O "eu verdadeiro" não existe fora da vida cotidiana, ele tem seu trabalho na vida cotidiana.

Vivemos hoje
O famoso mestre de espada Tesshû Yamaoka (1837-1888) deixou o seguinte poema:
É bom quando o sol está brilhando.
Também é bom quando está nublado.
A forma do Monte Fuji
Não é afetada por isto.
No Mumonkan (chin. Wu-men-kuan, Passagem sem Portão, uma das duas principais coleções de kôans), há uma frase do mestre Unmon:
Todo dia é um bom dia.
Na vida não há "apenas bom" ou "apenas ruim". As situações que encontramos são diferentes a toda hora. Um bom dia é confortável para nós e fácil de aceitar. Um dia com experiências desconfortáveis nos faz infelizes. Devemos levar ao coração as palavras de Ryôkan Osho (1758-1831), que expressa supremamente a sua atitude:
Quando se encontra com contratempos, você se encontra com contratempos e tudo está bem. Quando fica doente, você experiencia sua doença e então tudo está bem. Quando chega a sua hora de morrer, você morre, então não há problema.
Com essa atitude, todo dia é bom para nós. Mas na vida diária, muitas coisas inesperadas acontecem. Não importa onde estejamos, com nossa família, na escola, na sociedade, sempre encontramos outras pessoas e não podemos lidar com tudo por nós mesmos. Vivendo com os outros, experienciamos que não basta que nós mesmos estejamos bem. Quando somos governados pelo egoísmo, nenhum dia é um bom dia.
Os ensinamentos dos buddhas explicam isto assim: antes de proteger a si mesmo, protegemos os outros. Protegendo os outros, protege-se a si mesmo. Uma vez que este modo de vida tenha se tornado trivial, entendemos que os problemas da sociedade são nossos próprios problemas. Se todos pensassem assim e começassem a resolver seus próprios problemas, então haveria paz entre os seres humanos. Compartilhando agradecidamente todo bom dia com todos os outros seres, estando pacificamente juntos, assim se experiencia a felicidade. Até que realmente tenhamos entendido e realizado isto em nossa vida, precisamos de prática ascética e, acima de tudo, a atitude de considerar cada dia seriamente.
Dôgen Zenji (1200-1253) disse:
Seguir o caminho de Buddha é conhecer a si mesmo. Conhecer a si mesmo significa esquecer de si mesmo. Tendo esquecido de si mesmo, experienciam-se inter-relações universais, a regularidade da vida. Assim, o corpo e a mente são jogados.
Para quem quer que tenha alcançado este estado mental, é possível viver "cada dia como um bom dia".

A vida das flores
No Mumonkan há o seguinte poema:
Muitas centenas de flores na primavera,
A lua no outono,
Um vento quente no verão
E neve no inverno.
Quando não há nuvem flutuando na sua mente,
Então cada estação é boa para você.
Na primavera, muitas flores desabrocham ao mesmo tempo. Cores maravilhosas em todos os lugares, sobre a montanha, no campo. Podemos sentir a força da vida, da natureza. Diferentes cores e formas acariciam nossos sentidos, nossos sentimentos suavizam-se. Há flores grandes e pequenas. As flores pequenas que crescem ao longo do caminho vivem com todo o ser poder, quer alguém as veja ou não.
Sempre lembro um poema de Shibayama Zenkei Roshi (1894-1975), abade do monastério Nanzenji:
Uma flor ensina sem palavras
Brotos desabrocham em silêncio
E caem em silêncio.
Nunca retornam aos seus galhos.
Mas até este momento,
Neste lugar, eles aventuram suas vidas.
Ouça as vozes dos brotos.
Um broto no galho revela a verdade para nós.
A alegria da vida imortal
Faísca aqui sem remorso.
Que poema maravilhoso. As flores e os brotos têm uma vida curta. A vida de uma pessoa também é curta. Se uma pessoa viveu um tempo realmente longo, ele ou ela estaria com cerca de cem anos de idade. Vamos olhar para as flores através das estações que mudam — e vamos praticar o silêncio! Não devemos ser fascinados por coisas sem importância, mas sim esquecer tudo o que supérfluo e olhar para as flores. Pois cada estação é a melhor estação para cada um de nós.

Rochas calmas, rodeadas por nuvens brancas
Sobre a alta e inóspita montanha de pedra
Encontrei meu lar.
Apenas os pássaros são encontrados neste caminho escarpado,
Os rastros das pessoas terminam aqui.
O que existe fora da minha cabana?
Nuvens brancas rodeiam as rochas calmas.
Uma vida bela.
Ano após ano, experiencio a mudança
De primavera a inverno.
Encontra-se para palestras
No salão principal.
A fama falsa certamente não é útil.
Este poema é tirado do Kanzanshi (chin. Han-shan-shih, Poemas da Montanha Fria). Sou muito impressionado por ele. No Kanzanshi, muitas vezes cruzamos com os caracteres "nuvens brancas". Obviamente, Kanzan (chin. Han-shan, século VII) amava muito essas nuvens brancas. Uma rocha grande, profunda nas montanhas inacessíveis. Ele vivia nas alturas e se mantinha separado do mundo. Talvez é por isso que as nuvens brancas pudessem ser seus amigos. Os poemas de Kanzan sobre as nuvens brancas descrevem seu estado mental, que é idêntico com a iluminação no Zen. Lendo e pensando sobre estes poemas, podemos ver como ele experienciou sua vida na grandeza da natureza, cheio de atenção e quieto. Kanzan não é muito conhecido na história do Zen, mas nos deixou alguns poemas maravilhosos. Ele é digno da tentativa do homem moderno de entender o que suas palavras querem dizer para nós.
As pessoas modernas vivem com o barulho da cidade grande e suja. Portanto, é particularmente importante que nós experienciemos, ocasionalmente, o estado mental de Kanzan. Mas o Zen não deve em nenhum momento ser confundido com uma fuga do presente. Se você fugir de casa somente para escapar dos seus deveres, mas não querer se livrar da cobiça, do ódio e da ignorância, isto não está certo. Não temos de viver como Kanzan. Mas é necessário tentar se livrar das razões para o sofrimento. Então, experienciaremos este estado mental claro que ele descreve em seus poemas.
(Adaptado de Hozumi Gensho Rôshi, Zen Heart.
York Beach: Wiser Books, 2001. Pág. 7-22.)